QUANDO MINHA ALUNA ME ORIENTOU
Penápolis, 26 de julho de 2019.
Querido Diário
Hoje, ao ler o conto "A princesa Ladrona", de Monteiro Lobato, caí numa infeliz situação. Explicando aos alunos sobre quem foi Monteiro Lobato e seus personagens, descrevi, amargamente, Tia Nastácia, como negra, velha e gorda.
Não havia percebido minha escorregadela, até que uma atenciosa e crítica aluna, que não havia tirado os olhos de mim enquanto eu lia e dissertava sobre os personagens, veio delicadamente levantando a mão para falar
- Sim?
- Professor, o senhor foi muito preconceituoso?
- Como é que é?
- Sim, no jeito de falar sobre a tia Nastácia.
- Eu? - Nessa hora todos os outros 9 olhos da sala prestaram a atenção no diálogo. Senti-me frio e comecei a suar (isso acontece quando fico nervoso ou tímido, desconcertado.)
A aluna com sua delicadeza disse que ao chamar a personagem de "negra", "velha" e "gorda", havia usado palavras ofensivas e preconceituosas.
Rendi-me ao comentário, à argumentação. E não havia o porquê de eu contra-argumentar. Até porque eu já havia, numa roda de conversa, muitas aulas atrás, refletido com eles sobre modos dos discursos, escolhas apropriadas de palavras para se dirigir a alguém entre outras responsabilidades. Xeque-mate. Rendi-me:
- Pois é! Expressei-me mal. Desculpe. Turma, então, como eu deveria ter falado? (Claro que aproveitei a oportunidade para fugir pela "tangente")
A mesma menina respondeu:
- Uma senhora fofinha...
Outros entraram na adjetivação
- Gordinha...
- Grande...
- Obesa...
Certo que, para uma turma de quinto ano, o que ali aconteceu já foi um grande ganho. Não!! Eu não precisava continuar delongando o assunto. O importante era que percebi que eles estão cada dia mais crítico, mais participativo, e que de alguma forma eles ouvem alguma coisa que digo...
Só que o que mais me admira nessa sala é essa garotinha, nos seus 11 anos de idade, inteligente, mordaz e crítica.
Cuidado mundo, mais uma mulher para quebrar a cara do preconceito.
Valdir Lopes
#diariodeaula