CAVERNA
Porque escrever é ato de libertação
Textos
COMO SERIA
(mini-conto de Valdir dos Santos Lopes)

Ele sempre teve uma sensação gélida sobre sua própria morte. Quem nunca parou um minuto para pensar que um dia estaria morto? É aterrador para todos. Para muito pesadelo. Perder as coisas que possui, a relação que tem, as coisas que possui, os familiares, as coisas que possui, os amores, as coisas que possui, a poupança no banco. Enfim, principalmente as coisas que possui.

 
Ele achou piamente que depois de deitar, não levantaria mais. Essa sensação que lhe passou pela espinha foi como um vento congelante ultrapassando a brecha da janela numa tórrida noite de verão.

Com o calor, dormia nu. Bem... ele dormia nu em todas as estações dos tempos. Não havia frescura e odiava o peso dos lençóis e roupas que lhe cobriam. Nascido sem pelo algum pelo corpo. Era adepto da sensação epidérmica.

Sabia que suas roupas faziam parte das convenções sociais. Suas palavras faziam parte das convenções sociais. Suas posses, suas relações, seu emprego faziam parte das convenções sociais. Mas e sua vida? Fazia também?

Um vinho, ritual de menino. Menino tome sempre um ao deitar, afina teu sangue. Tudo bem, mamãe. Mas naquele dia, na certeza de ser seus goles derradeiros, não se contentou com a taça. Debulhou a garrafa inteira. Foi arqueando, trépido-intrépido para o leito. Não se lembra se viu alguma sombra sobre si. Um vulto talvez sob as luzes acesas de seu quarto.

Deitou-se na cama, com um peso enorme sobre a narina e a boca. Um sufoco suave, um faltar de ar paulatino até chegar à última respiração. Um olhar derradeiro sobre a face da morte, linda alourada, num sorriso frenético misturado com lágrimas. Parecia tanto Laurinda. Bela Laurinda. Como sentirá tristeza ao saber que morri.

Todo mundo um dia já pensou sobre sua própria morte. Como seria? Para alguns um pensamento aterrador. Para outros...

Valdir Lopes
23 de agosto de 2016
valdirfilosofia
Enviado por valdirfilosofia em 23/08/2016
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