CAVERNA
Porque escrever é ato de libertação
Textos
SAPO DE TÊNIS
 
Quando a bexiga apertou, resolvi ir ao banheiro. Foi uma decisão difícil já que estava dormindo há 2 horas e era exatamente 3 da madrugada, hora insólita de meus mistérios. Sai nu com os olhos semicerrados, tropeçando num monte de latas de cerveja espalhadas no chão do meu quarto. Senti o chão úmido e xinguei-me pelo desperdício. Era óbvio que com o preço elevado causado pelos impostos, derrubar cerveja era crime tributário. Entrei no banheiro com a luz do meu netbook, sentei no vaso. Enquanto depositava o excesso de líquido do meu corpo na latrina, lia as postagens no facebook. Foi quando percebi que lá no fundo do Box um bloco denso olhando para mim.
 
- Oi, está muito apertado?
 
Joguei a luz da tela em direção do acompanhante misterioso e vi um grande sapo dentro do meu tênis de corrida.
 
- O que você faz no tênis?
 
- Pois o tênis é meu.
 
Eu não acreditava que iria entrar em discussão com um sapo de tênis. E nem percebia que o jorro da minha necessidade estava minguando. Ele me olhou com um olhar de superioridade, ajeitou melhor seu corpo gordo no pé esquerdo do meu tênis e prosseguiu:
 
- Uso esse tênis há muito tempo, por isso é meu.
 
Além de usar tênis, entendia de usucapião. Tentei argumentar.
 
- Pois eu também uso esse tênis há muito tempo. Faço exercícios três vezes por semana e sempre o guardo aí, nesse canto.
 
- Confessa agora que usa sem permissão algo que não lhe cabe?
 
Oras essa. Depois da indagação quase deixei o net cair. O maldito além de estar com meu tênis, acusava-me de apropriação indébita. Lá fora o céu caia ruidosamente e de quando em quando o banheiro se iluminava pelos raios da tempestade. Nesses momentos poderia jurar que o anfíbio ria de mim com aqueles olhos gordos.
 
- Eu não sei de onde você veio – fiquei irritado – mas vou fazer você voltar a pancadas! Eu já não mijava mais e minha bunda doía pelo prolongado do tempo em cima da louça. O bicho não se alterou um sequer momento, creio que até se ajeitou mais comodamente.
 
- Vejo que agora incorre a culpa por ameaça contra a minha vida. Sua situação está piorando.
 
Juro que a vontade de levantar e pisar naquele anfíbio foi muito grande, mas comecei a ponderar, acreditando na razão do meu oponente. Fiquei com medo de ser processado por um sapo de tênis. Levantei e desliguei o net. Decidi voltar para cama. Na certa amanhã de manhã ele não estaria mais ali e poderia depois guardar o tênis em outro lugar. Ao meu aproximar da porta ouvi o sapo perguntar:
 
- Não vai dar descarga e nem lavar as mãos?
 
Voltei meu rosto furioso para ele, escondido na penumbra do banheiro. E vi, não sei como, um sorriso malicioso.
 
- Além de ignorante, é porco.
 
Decidi nunca mais ir ao banheiro de madrugada e no próximo dia comprei um tênis para mim.
 
DIR LOPES

 
valdirfilosofia
Enviado por valdirfilosofia em 01/02/2013
Alterado em 09/02/2013
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