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A TELEVISÃO E OS VALORES

Nos últimos tempos, a televisão tem sentado no banco dos réus como a principal suspeita pelas inversões de valores, violência e descalabros sociais. Defensores afiados em suas críticas contra os programas televisivos tem anunciado a presença de uma sociedade acéfala, incapaz de refletir e analisar os programas assistidos, aceitando compassivamente todas as idéias propostas por esse instrumento de comunicação.

Os brados são muitos e chegam a propor, de forma saudosista, programas antigos que não exponham e não deturpam a moralidade. Gritam, os moralistas, que os adolescentes são as principais vítimas, pois são os mais suscetíveis a essa ameaça. Dizem também, que a camada popular, porque ignorante e não dotadas de senso crítico, são vítimas dos interesses megalômanos e capitalistas das grandes corporações e empresas capitaneadas pelas classes ricas.

Mas até que ponto tudo isso é correto? Por que atribuir à televisão a culpa por todas as mazelas sociais? Então, a educação, a moralidade, a ética e os valores em geral foram transformados pelos programas de televisão? Eles têm tanto poder assim? E por que não fazer uma análise mais profunda e compreender se os pressupostos elencados acima são realmente validados?

Essa discussão com toda certeza daria muitos elementos e, por isso, seria demasiadamente longa. No entanto há como discutir, refutar ou aceitar certos pressupostos. Não devemos delegar à televisão toda a dificuldade e problemática presente em nossa sociedade. Não devemos creditar o sucesso da televisão e a situação social, econômica e cultural de uma camada populacional à ignorância e falta de senso crítico. Não devemos generalizar e indicar que todos os programas televisivos são de mau gosto e, por fim, mesmo aceitando que a televisão traz certos malefícios aos adolescentes, ela também é (e poderá ser) um grande instrumento de educação, cultura e lazer.

A televisão é um instrumento e, como todo instrumento, seu efeito será de acordo com o uso que se faz dela. Se abandonarmos o pensamento mítico e usarmos de nossa criticidade, poderemos "despersonificar" o aparelho “televisão” e atribuir aos verdadeiros culpados as transformações que vivenciamos. Somos nós que devemos cobrar qualidade e, quando não há, somos nós que devemos nos negar a participar. Agora, participamos quando reconhecemos que algo faz sentido e parte de nossa vida. Oras, se encontramos audiência para a banalidade, será que a banalidade não está presente em nossa vida e fazendo sentido? Será que a televisão não vem apenas refletir o que já está presente em nós? A dimensão criativa da televisão não é tão grande a ponto de transformar toda a sociedade num sopro só. Senão, seria muito fácil "consertar".

Então exibiríamos sempre um programa considerado de "qualidade" e a sociedade tornaria uma sociedade de "qualidade". Mas não é bem assim que funciona. Há muito elemento envolvido. É apropriando-se adequadamente de um instrumento que teremos respostas adequadas. E os adjetivos "adequados" e "qualidade" são muito pessoal, subjetivo que não me atrevo a determinar padrões. O que para mim é qualidade, para outros, não.

Se somos críticos a ponto de reconhecer a baixa qualidade, a violência e as inversões de valores em determinados programas televisivos, devemos ser críticos o bastante para reconhecer que muitos programas trazem neles uma consciência coletiva do que somos, de como estamos e para onde vamos. O que isso indica? Que diante desses programas podemos fazer várias e sérias reflexões sobre a nossa realidade em vez de negar-se única e exclusivamente em assistir.

Agora, seria de um mau gosto e acrítico culpabilizar a camada popular pelo sucesso dos programas de "baixa qualidade" devido à "ignorância" e falta de "cultura". Quem, ainda hoje, usa esses adjetivos para indicar uma determinada classe ou povo, tem muito que aprender e conhecer melhor esse mesmo povo. Não podemos aceitar esse discurso reducionista e generalizante, pois quem carrega esse discurso tem pouca vivência e desconhece a sabedoria popular e as habilidades forjadas na vida de um ser humano.

Como ser humano, não devemos repudiar ou excluir outro humano, diferenciando pelo poder intelectual, pelo grau de erudição ou escolarização. Esse artifício é o mesmo usado para encontrar, (não sei se é o termo adequado) uma raça perfeita. Como crítico, defensor da ética humana, não aceito ouvir um falar tão preconceituoso e cheios de maus ditos.

Se nossa sociedade não caminha bem, se não temos mais respeito um pelo outro, se nossa cultura decaiu e nossa moralidade extinta, se nossos filhos não sabem mais respeitar os valores que tanto preservamos e se a nossa vida anda muito complicada, não é culpabilizando a televisão que teremos uma resposta. Não teremos enquanto usarmos do artifício da culpabilização.

Porque culpando alguém, tira-nos a responsabilidade de se envolver e de, junto, buscar uma solução. Porque culpando alguém ou alguma coisa, podemos, temporariamente, dizer-nos que estamos livre da responsabilidade dos efeitos que a sociedade nos apresenta. E isso não é ser crítico e sim comodista. Não é ser sábio e sim traidor.

VALDIR DOS SANTOS LOPES
PROFESSOR
valdirfilosofia
Enviado por valdirfilosofia em 06/11/2009
Alterado em 27/01/2015
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